Da Submissão à Beleza do Chamado

Como parte da minha formação pastoral, fui obrigado a participar de um curso de formação missionária com duração de vinte dias em regime de internato, numa cidade a mais de quinhentos quilômetros de casa. Como meu blog sempre foi um diário público das minhas experiências, resolvi registrar aqui algumas reflexões que fiz durante estes dias.

A primeira diz respeito à submissão necessária na resposta ao chamado pastoral: submissão às autoridades da igreja, submissão ao ensino, enfim, submissão ao processo que consideramos da parte de Deus. Às vezes, é fácil, mas em certas situações isso implica ignorar opiniões pessoais para se adequar à estrutura na qual se está inserido, mesmo quando ela se revela absurda. Submeter-se ao processo significa olhar para o chamado de Deus como se olha para um horizonte, que está além do presente incômodo.

Essa submissão, somada ao distanciamento do lar, me levou à segunda reflexão: lidar comigo mesmo em meio a tudo isso. Estar sozinho traz à tona meus sentimentos e questionamentos recorrentes, que invadem minha consciência incansavelmente. Encarar-me por vinte dias sem o afeto daqueles que amo me desafia ao extremo, pois algo em mim quer sempre falar, fazer, fugir, julgar, reprimir, desistir, agir, gritar […] uma sucessão de impulsos cansativos para minha consciência reguladora.

Essa solitude me conduziu ao valor inestimável dos meus amores, que constitui minha terceira reflexão: minha esposa, meus filhos, meus pais. Aqueles nos quais me perco e para os quais tenho o privilégio de me doar diariamente. Sou muito pouco sem eles. Sou mais feio, mais chato, mais restrito. Pequeno. Com eles, sou mais humano, menos desagradável, especialmente para mim mesmo.

Para contrabalançar essa ausência, tive o privilégio de transformar colegas de classe em amigos. E essa é minha quarta reflexão: eles me livraram de mim e dos danos colaterais de estar a sós comigo mesmo. O sábio escritor do livro de Provérbios disse que, na angústia, nasce um irmão. Desta forma, ganhei quatro irmãos nesses dias desconfortáveis. Sou grato por suas vidas e feliz por compartilhar da experiência do chamado de Deus com eles, inclusive nestes momentos desafiadores.

Momentos desafiadores que dizem respeito ao processo educacional ao qual fomos submetidos, e essa é minha quinta reflexão: processo antigo, que desconsidera as mudanças educacionais atuais. Um processo que promove mais desgaste do que crescimento porque ignora a formação e a história daqueles que estão sendo formados. Um processo educacional que ignora a formação dos alunos — tanto prática quanto teórica — precisa ser revisto de modo profundo e estrutural.

Falar em processo educacional me leva à sexta reflexão: aproveitei esses dias para escrever o trabalho de conclusão de curso de teologia e, conforme escrevia, fui agradecendo a Deus por cada conhecimento adquirido nesses anos de seminário. Estudar a Palavra de Deus é como escavar uma mina que, a cada metro, revela mais preciosidades. Mas escrever sobre a Palavra não é uma escavação depreciativa e oportunista. Pelo contrário, é a escavação de quem almeja, com todo respeito e temor, revelar a profunda beleza do que está encravado ali há milênios, pela ação de Deus no homem e na história do mundo.

Falar sobre beleza me conduz à sétima e última reflexão: a beleza de uma simples pitangueira, que trouxe vida aos meus olhos nesses dias. Seu tronco se divide em dois galhos que se entrelaçam e, destes, surgem outros galhos, que se subdividem em muitos outros galhos repletos de pequenas folhas. Nesses finos galhos, brotam cá e lá, como se fossem distribuídas por um artista, algumas pitangas que alternam entre o verde, o laranja e o vermelho. É essa beleza da natureza de Deus que nos livra do peso da submissão aos homens, às autoridades, aos seus sistemas e, enfim, a nós mesmos. Essa beleza de Deus que reflete a forma como Ele nos chama por meio de seu amor.


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