Nesses dias longe de casa e dos meus, tenho inevitavelmente refletido sobre o valor que eles têm em minha vida. O que sobra de mim sem eles? Quem eu sou com eles? E sem eles? O que é uma família, um lar? Fiz essas questões um pouco antes de entrar no cinema para assistir ao filme “Ainda Estou Aqui”, pensando que, talvez, esse filme nacional pudesse me ajudar a responder.
Sim, ajudou. Para além das questões sócio-políticas, o filme é justamente sobre as perguntas que me fiz. Gente, família, casa, lar. Em um momento da narrativa, a família precisa mudar de casa. A filha mais nova se assenta na varanda da frente e olha para o interior da casa vazia, com os olhos cheios de lágrimas. A experiência do lar vazio foi tão forte que, depois de 25 anos, ela confidenciou ao irmão que enterrou seu pai, desaparecido, ali naquele momento em que olhou para a casa.
A casa vazia era apenas uma coisa oca, sem o preenchimento da vida. Penso que seja assim dentro de nós quando alguém se distancia. Fica o vazio. Alguns deixam um pequeno canto de nossa casa vazio, outros deixam um cômodo, já outros deixam um andar inteiro. A casa fica grande quando me aproximo de gente. Ela, então, se expande para contê-los. Ao me distanciar, ao ficar sozinho, dou-me conta dos largos cômodos vagos em mim.
Isso responde à pergunta: O que sobra de mim sem eles? Sobra espaço, estrutura construída para recebê-los diariamente em mim, às vezes com conforto, às vezes nem tanto. O que sou sem os meus? Espaço vago não projetado para isso, projetado para eles. O tamanho do espaço reflete a importância de quem se foi temporariamente ou não. Mais do que isso, reflete o que do outro falta em mim, pois sou o que sou também a partir do que os meus são em mim.
Perto deles sou casa cheia de cheiros, calor, luzes e movimentos. Longe deles, sou apenas estrutura projetada à espera deles. Estrutura que, se vazia, se enche de coisas, sistemas, documentos, ideias, planos que não possuem calor. Como armários de ferro para fichas de arquivamento. Me aparento, então, a um prédio institucional, a uma repartição pública, desprovida de vida e afeto. Esse foi outro ensino que o filme me trouxe. Sistemas de qualquer espectro político, quando se tornam maiores que pessoas, as esvaziam, deixando seus cantos e cômodos sem vida e calor.
Hoje, estou há apenas 7 dias longe dos meus e quase vazio. Conto apenas com pequenos espaços de amigos de estudo. Porém, daqui a 14 dias, pretendo estar repleto dos meus novamente. Daqueles que preenchem cômodos e andares inteiros em mim. Casa cheia! Luzes acesas, cheiro de comida no fogo, cheiro de gente, vozes, calor.
“Ainda Estou Aqui” é um nome que revela muitos significados para esse filme. A personagem que ainda está ali, apesar de sua doença, a repressão sócio-política que ainda está por aí como terror de uns e anelo de outros. Porém, este nome antes de tudo representa o espaço vago que as pessoas deixam em nós quando se vão, quando deixam seus cômodos aqui dentro de nós.
Mas quase esqueci de me responder o que é uma família! Ora! Família é um condomínio de casas, daqueles sem muros ou cercas. Casas projetadas para as pessoas que transitam de lá para cá. Casas que se expandem à medida que os laços de vida se estreitam. Famílias são condomínios que precisam ter prioridade e liberdade para ser e existir.
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