Sobre partir

Nas últimas semanas, temos passado pela experiência de partir da igreja que frequentamos por quase vinte anos. Eu e a Ju tivemos a oportunidade de ver nossos filhos crescerem nessa comunidade. Nesta igreja, também me tornei presbítero e aprendi o que significa trabalhar como um dos líderes de uma comunidade cristã. Porém, agora partimos para trabalhar em outra igreja, e essa experiência tem nos levado a algumas ponderações que servem para qualquer partida.

A primeira ponderação é que toda partida implica em perda. Perde quem parte e perde quem fica. Quem parte perde aquele espaço conquistado. Não só o espaço de trabalho, mas também o espaço de ser dentro de uma comunidade, de um trabalho ou de um lar. Quem fica sofre por este espaço, essa lacuna que a partida causou. De novo, lacuna não só do labor de quem foi, mas principalmente da presença e do tom que quem foi dava àquele lugar.

Entretanto, a segunda ponderação é o exato oposto da primeira. Ganha quem parte e ganha quem fica. Quem parte ganha o alívio do peso daquele espaço conquistado. O peso do trabalho, mas também o fardo de ser um eixo daquela comunidade, trabalho ou lar. Quem fica ganha este espaço, ganha essa oportunidade de espaço que a partida causou. De novo, lacuna não só do labor de quem foi, mas da presença e do tom que quem foi dava àquele lugar.

Posso explicar melhor com um exemplo concreto que ocorre muitas vezes aqui em casa. Eventualmente, a Ju vai para a cozinha fazer a refeição, enquanto eu estou lavando louça. Meu trabalho ali a ajuda, pois a livra de ter que fazer duas atividades. Porém, minha presença ali também a atrapalha, simplesmente por termos que dividir o mesmo cômodo, pia e pano. Quando eu termino a louça e parto, ela perde minha ajuda, mas ganha todo o espaço da pia, e eu ganho o alívio de terminar uma tarefa que tem seu peso natural.

É um exemplo ordinário que explica com simplicidade o ganho e a perda de partir para quem fica e para quem vai. O mais incrível disso é que essas duas reflexões valem para toda partida, inclusive para a partida desta vida. Quem parte desta vida deixa uma lacuna e deixa também um espaço de oportunidade para quem fica. Esse olhar diferenciado para a morte pode nos trazer um alívio, ao sabermos que a nossa partida e a partida de quem amamos pode ser transformada em oportunidade para quem fica.

Esse olhar para a partida também nos leva a vivermos de modo que nosso espaço de ser e de fazer não seja tão pesado e opressivo aos outros, de modo que nossa partida seja mais alívio do que saudade. Nos ensina a ocuparmos nosso espaço de ser e fazer com carinho e cuidado com a comunidade, o trabalho e o lar ao nosso redor.

Jesus, um pouco antes de partir, disse aos seus discípulos: “Deixo com vocês a paz, a minha paz lhes dou…”. Portanto, que o nosso partir seja sempre uma busca de lugar para ser e uma oportunidade de deixar lugar para os outros serem, debaixo da paz de Cristo.

Crédito foto: Davi Pinheiro


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