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Segue o texto transcrito abaixo:
O aclamado autor das Crônicas de Nárnia, C.S.Lewis, também escreveu o genial livro “Cartas de um diabo ao seu aprendiz”. Nesta ficção sarcástica, estão relatadas várias trocas de correspondências entre um demônio experiente e seu pupilo, um demônio jovem, em fase de treinamento. Em uma destas cartas, o jovem aprendiz relata ao seu tutor, sua alegria, ao perceber que um de seus pacientes, um ser-humano, está muito triste e desiludido com a vida. Este jovem demônio expressa estar alcançando sucesso com seu tratamento a este pobre humano, porém, para sua surpresa, ele é repreendido pelo demônio experiente para que não deixe o seu paciente nesta situação de tristeza, pois é exatamente neste momento que, muitas vezes, o inimigo (Deus) usa para se aproximar e transformar a vida dos seres humanos. O demônio experiente insiste que o seu discípulo trate de alegrar seu paciente com as distrações ilusórias da vida comum.
Portanto, eu desejo que neste ano vocês passem por certas tristezas estratégicas e para comprovar biblicamente o meu desejo, nós vamos refletir na segunda carta de Paulo aos Coríntios, no capítulo sete.
Leitura do texto: II Coríntios 7
Peço-lhes que abram o coração para nós. Não prejudicamos ninguém, nem desencaminhamos ninguém, nem nos aproveitamos de ninguém. Não digo isso para condená-los. Já lhes disse que vocês estão em nosso coração. Estamos juntos, seja para morrer, seja para viver. Tenho muita confiança em vocês, e de vocês tenho muito orgulho. Vocês têm me encorajado grandemente e me proporcionado alegria, apesar de todas as nossas aflições. Quando chegamos à Macedônia, não tivemos nenhum descanso. Enfrentamos conflitos de todos os lados, com batalhas externas e temores internos. Mas Deus, que conforta os desanimados, nos encorajou com a chegada de Tito. Sua presença foi uma alegria, como também o foi a notícia que ele nos trouxe do encorajamento que recebeu de vocês. Quando ele nos contou quanto desejam me ver, quanto lamentam o que aconteceu e quão dedicados são a mim, fiquei muito feliz! Não me arrependo de ter enviado aquela carta severa, embora a princípio tenha lamentado a dor que ela lhes causou, ainda que por algum tempo. Agora, porém, alegro-me por tê-la enviado, não pela tristeza que causou, mas porque a dor os levou ao arrependimento. Foi o tipo de tristeza que Deus espera de seu povo, portanto não lhes causamos mal algum. Porque a tristeza que é da vontade de Deus conduz ao arrependimento e resulta em salvação. Não é uma tristeza que causa remorso. Mas a tristeza do mundo resulta em morte. Vejam o que a tristeza que vem de Deus produziu em vocês! Trouxe dedicação, defesa de suas ações, indignação, temor, desejo de me ver, zelo e prontidão em punir a injustiça. Vocês mostraram que fizeram todo o necessário para corrigir a situação. Portanto, não lhes escrevi para falar de quem havia errado e de quem havia sido prejudicado, mas para que, diante de Deus, pudessem ver por si mesmos como são dedicados a nós. Fomos grandemente encorajados por isso. Além de nos sentirmos encorajados, ficamos particularmente contentes de ver Tito alegre porque todos vocês o receberam bem e o tranquilizaram. Eu tinha dito a ele quanto me orgulhava de vocês, e vocês não me decepcionaram. Sempre lhes disse a verdade, e ficou provado que eu tinha razão ao elogiá-los! Ele os estima ainda mais quando se lembra de como todos vocês lhe obedeceram e o receberam bem, com temor e profundo respeito. Fico muito feliz por poder ter plena confiança em vocês.’
Neste momento da carta, Paulo reserva um espaço para relatar sua alegria pela chegada de Tito e mais ainda pelas boas notícias que este seu companheiro trouxe da igreja de Corinto.
Mais do que isso, Paulo parece respirar aliviado após receber a notícia de que os irmãos haviam recebido de maneira positiva uma dura carta que ele escreveu à igreja.
Tudo indica que esta carta não se trata da primeira carta aos coríntios a qual nós temos acesso, mas trata-se de uma carta intermediária, que foi escrita para tratar de um desavença específica, uma atrito pontual na igreja. O próprio apóstolo revela no versículo oito que a carta foi severa e que ele mesmo lamentou ter escrito e enviado.
Ele expressa uma certa apreensão que só se desfez após receber as notícias por Tito, conforme o versículo oito:
‘Não me arrependo de ter enviado aquela carta severa, embora a princípio tenha lamentado a dor que ela lhes causou, ainda que por algum tempo. ‘
Podemos deduzir o teor desta discórdia voltando ao capítulo dois desta mesma carta, no qual o apóstolo diz o seguinte:
‘Não exagero quando digo que o homem que causou tantos problemas magoou não somente a mim, mas, até certo ponto, a todos vocês. A maioria de vocês se opôs a ele, e isso já foi castigo suficiente. Agora, porém, é hora de perdoá-lo e confortá-lo; do contrário, pode acontecer de ele ser vencido pela tristeza excessiva. Peço, portanto, que reafirmem seu amor por ele. Eu lhes escrevi daquela forma para testá-los e ver se seguiriam todas as minhas instruções. Se vocês perdoam esse homem, eu também o perdoo. E, quando eu perdoo o que precisa ser perdoado, faço-o na presença de Cristo, em favor de vocês, para que Satanás não tenha vantagem sobre nós, pois conhecemos seus planos malignos. ‘ 2 Coríntios 2:5-11
Este trecho da carta revela que a igreja foi dividida por conta de um homem. Alguns estudiosos sugerem que pode ter sido o mesmo homem ao qual Paulo se refere na primeira carta aos Coríntios, como praticante de um incesto, que também acusou Paulo de algo, trazendo uma dissenção na igreja. De qualquer maneira, o que se sabe é que este homem precisou ser disciplinado pela igreja, porém, que agora a igreja deve perdoá-lo e recebê-lo de volta, em amor, pois ele se arrependeu. O problema estava sendo resolvido, mas ainda haviam mágoas, raivas e tristezas entre aquelas pessoas.
Voltando ao capítulo sete, quero destacar as palavras de Paulo no versículo nove e dez:
‘Agora, porém, alegro-me por tê-la enviado, não pela tristeza que causou, mas porque a dor os levou ao arrependimento. Foi o tipo de tristeza que Deus espera de seu povo, portanto não lhes causamos mal algum. Porque a tristeza que é da vontade de Deus conduz ao arrependimento e resulta em salvação. Não é uma tristeza que causa remorso. Mas a tristeza do mundo resulta em morte. ‘
O apóstolo aproveita este momento íntimo e delicado da carta para diferenciar a tristeza que vem do mundo e a tristeza que vem de Deus. Pode parecer estranho que haja uma tristeza que venha da parte de Deus, mas é isso mesmo que o texto está nos dizendo.
Há uma tristeza do mundo, uma tristeza que leva ao remorso, mas essa tristeza pela qual os Coríntios passaram com a carta severa de Paulo, foi uma tristeza conduzida por Deus, que os levou ao arrependimento.
A palavra no texto original, que foi traduzida como arrependimento, pode ser literalmente traduzida como: “trouxe uma mudança no modo de pensar”. Esta mudança é revelada no versículo onze:
‘Vejam o que a tristeza que vem de Deus produziu em vocês! Trouxe dedicação, defesa de suas ações, indignação, temor, desejo de me ver, zelo e prontidão em punir a injustiça. Vocês mostraram que fizeram todo o necessário para corrigir a situação. ‘
Isso mostra que o arrependimento não foi só um sentimento, como o remorso, foi o despertar de uma nova lucidez que mudou a maneira daquelas pessoas pensarem e consequentemente as levou a um novo modo de agir diante dos pecados e dos desamores que haviam entre eles.
Aquela igreja foi transformada por este caminho de tristeza pelo qual Deus os conduziu.
Meus irmãos e minhas irmãs, eu sei que todos vocês querem viver dias felizes neste novo ano que se inicia. Obviamente, eu também quero viver dias felizes em 2023.
Caso contrário, todos nós poderíamos ser chamados de masoquistas. O termo masoquismo é muito utilizado para falar de pessoas que gostam de sofrer e sentir dor durante o ato sexual. Na psicologia é visto como um comportamento relacionado a transtornos mentais, como a depressão, transtornos de personalidade, ou transtornos de compulsão e impulsão que podem levar a comportamentos autodestrutivos e relacionamentos tóxicos. Pessoas com estes transtornos gostam de sofrer, gostam de estar tristes. Esta tristeza e sofrimento é o que leva muita gente a tirar a própria vida. É aquilo que Paulo descreve no texto que lemos, como a tristeza do mundo, tristeza que leva à morte.
No início desta mensagem, quando eu disse que desejo a vocês algumas tristezas estratégicas, eu não estava falando desta tristeza do mundo que leva ao auto-abandono e à autodestruição.
Porém, é importante dizer que atualmente vivemos numa época onde evitamos a tristeza a qualquer custo. E este evitar a tristeza é realizado pelo seguinte processo:
Primeiro: Nós cavamos um profundo fosso onde escondemos e omitimos nossos erros, nossos descaminhos, nossas falhas de caráter, nossas luxúrias, nossas depravações, nossos ódios e nossas indiferenças.
Segundo: Construímos um castelo de argumentos e contra-argumentos, com réplicas e tréplicas a respeito de quem somos e a respeito dos nossos posicionamentos sobre tudo e sobre todos. Nós armamos trincheiras que protegem nosso buraco profundo e sujo.
Terceiro: Nós decoramos este castelo com vaidades, preenchemos a nossa vida de inutilidades que nos distraem diariamente das coisas erradas que estamos fazendo, das certas que estamos evitando fazer e de quem somos, de fato.
Toda esta construção não é uma realidade de algumas pessoas, esta é a realidade de todos nós. Toda a humanidade caída constrói para si este castelo de falsa sensatez, de falsa sabedoria, coberto de falsa felicidade. Esta é a nossa situação em qualquer parte do mundo, em qualquer época da história.
Diante desta construção, duas coisas podem acontecer com todos nós. Podemos ser invadidos pela tristeza do mundo que destrói todo este castelo que construímos. Essa tristeza que nos leva ao remorso, que nos abandona em nossas culpas e nos deprime. Essa tristeza que revela quem nós somos de fato, que revela a nossa realidade, entretanto, não nos ajuda em nada, pelo contrário, ela nos afunda nesse fosso de pecado. Muitos têm enfrentado a dura realidade desta tristeza e têm sucumbido na depressão, na autodestruição e na morte.
Por outro lado, podemos ser conduzidos pelas graciosas mãos de Deus a uma severa palavra de exortação sobre nossa realidade. Podemos ser conduzidos por Deus a uma tristeza que nos coloca diante do espelho para vermos que todo o nosso senso de justiça e toda nossa construção de argumentação é uma tremenda enrolação sobre a fraude que nós somos. Mas é diante dessa realidade que ele nos apresenta a sua graça na pessoa de seu filho, Cristo Jesus. Pois é por meio de Jesus que Deus pode olhar pra nós não como alvos de sua ira, mas como alvos de sua misericórdia e amor. Pois como disse o próprio Cristo ao fariseu, Nicodemos:
“Porque Deus amou tanto o mundo que deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Deus enviou seu Filho ao mundo não para condenar o mundo, mas para salvá-lo por meio dele. “Não há condenação alguma para quem crê nele. Mas quem não crê nele já está condenado por não crer no Filho único de Deus. E a condenação se baseia nisto: a luz de Deus veio ao mundo, mas as pessoas amaram mais a escuridão que a luz, porque seus atos eram maus. Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima dela, pois teme que seus pecados sejam expostos. Mas quem pratica a verdade se aproxima da luz, para que outros vejam que ele faz a vontade de Deus”. – João 3:16-21
Deus nos conduz a essa luz que é o próprio Cristo. Luz que expõe e revela nossos pecados, nos entristece, porém, nos traz lucidez que muda nossa opinião sobre nós mesmos, desfaz nossos castelos de mentiras e nos coloca aos pés Dele.
Talvez você pense que eu deveria estar expondo esta mensagem fora da igreja, pois ela não cabe a cristãos. Talvez, você esteja dizendo para si mesmo que esta mensagem não é pra você, pois você já passou por isso no passado, em seu processo de conversão. Se isso passou pela sua cabeça, eu preciso te dizer que você está redondamente enganado.
Pra você que pensou isso, eu gostaria de citar o teólogo Sinclair Ferguson, em seu livro a Graça do Arrependimento, que diz o seguinte:
“O arrependimento não é somente o começo da vida cristã. De acordo com a Escritura, a vida cristã é arrependimento do começo ao fim! O crente, como dizia Lutero, é: simul justus et peccator, que significa: O crente é a simultaneamente justo e pecador. Por isso, o arrependimento deve ser uma constante na vida do cristão.”
Segundo Sinclair, este é o maior perigo da Igreja atual. Viver um cristianismo triunfante que se distancia cada vez mais de uma postura humilde, reverente e quebrantada. Um cristianismo que busca a felicidade a qualquer custo e ignora a verdade sobre nossos deslizes e descaminhos. Uma igreja que não prega a verdade nem pra si mesma, que não se permite ser transformada pela palavra de Deus, de maneira nenhuma poderá pregar a verdade para o mundo.
Porém, uma igreja humilde e contrita é a igreja que pode e será usada pelo Espírito Santo para ser sal e luz, para levar o amor e a verdade àqueles que se encontram na escuridão de suas mentiras e ilusões de vaidade e felicidade. Uma igreja contrita e transformada, pronta para quebrantar o mundo com a verdade do Evangelho de Cristo Jesus.
Por isso, eu desejo a você que é convertido e também a quem não é, a bênção e a graça de ser conduzido coercitivamente por Deus a momentos de tristeza que transformem sua maneira de olhar para si mesmo e para os outros. Experiências de tristeza que preocupem os demônios experientes, pois eles sabem que são estes momentos os quais Deus está conduzindo você a uma lucidez e a uma transformação que o guia das trevas da mentira, do pecado e do autoengano, diretamente para a luz da verdade. Momentos de tristeza que te coloque de joelhos diante de Cristo Jesus, aquele que é a verdadeira alegria de nossas vidas.
Desejo, enfim, que todos nós possamos orar como Davi no Salmo 51:
Tem misericórdia de mim, ó Deus, por causa do teu amor. Por causa da tua grande compaixão, apaga as manchas de minha rebeldia. Lava-me de toda a minha culpa, purifica-me do meu pecado. Pois reconheço minha rebeldia; meu pecado me persegue todo o tempo. Pequei contra ti, somente contra ti; fiz o que é mau aos teus olhos. Por isso, tens razão no que dizes, e é justo teu julgamento contra mim. Pois sou pecador desde que nasci, sim, desde que minha mãe me concebeu. Tu, porém, desejas a verdade no íntimo e no coração me mostras a sabedoria. Purifica-me de minha impureza, e ficarei limpo; lava-me, e ficarei mais branco que a neve. Devolve-me a alegria e a felicidade! Tu me quebraste; agora, permite que eu exulte outra vez. Não continues a olhar para meus pecados; remove as manchas de minha culpa. Cria em mim, ó Deus, um coração puro; renova dentro de mim um espírito firme. Não me expulses de tua presença e não retires de mim teu Santo Espírito. Restaura em mim a alegria de tua salvação e torna-me disposto a te obedecer. Então ensinarei teus caminhos aos rebeldes, e eles voltarão a ti.
Salmos 51:1-13 NVT
Lucas Pedro
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